O Crossfit é um programa de movimentos funcionais de força e condicionamento, constantemente variados e de alta intensidade, que ganhou grande popularidade no mundo todo(1,2). É composto de múltiplos exercícios como, movimentos ginásticos, levantamento de peso, corrida, remo (3,4) sendo realizados tipicamente com ênfase em máximas repetições num determinado período de tempo, ou no menor tempo possível (5). O Crossfit é uma das mais novas modalidades de treinamento com pesos, ele consiste de WODs* que tem duração entre 10-20 minutos em média, geralmente realizados em alta intensidade (4).
Têm ocorrido muitas críticas associando o Crossfit a um alto potencial de lesões, relacionada a lesões musculares e também rabdomiólise* (1). Porém, o que a ciência diz? Crossfit está realmente associado a uma alta taxa de lesões?
Os autores dos estudos mostraram a relação de número de lesões a cada 1000 horas de treinamento. Sendo que existe uma variação de 1.94 à 3.1 lesões a cada 1000 horas (1,2, 5-8).
Comparação com outros esportes
Esportes de contato e esportes coletivos possuem uma taxa de lesões que variam entre 6.6 à 18.3 a cada 1000 horas (9). Apesar da natureza intensa do Crossfit, as taxas de lesões não variam de outras atividades com intensidades similares (5,6), e que essas taxas são consideravelmente menores do que aquelas reportadas em esportes coletivos (4).
O que poderia vir a acarretar estas lesões, está relacionado ao foco muitas vezes puramente metabólico das atividades, com falta de individualização dos programas, da falta de preocupação em relação ao desenvolvimento da força, assim como técnicas de execução de movimento impróprias sendo realizadas em alta intensidade e no menor tempo possível (1). Padrões ruins de movimentos funcionais, irão aumentar o risco de lesão quando tais movimentos são realizados com carga e/ou em fadiga (6).
As lesões mais típicas são em ombros, devido a quantidade de movimentos onde necessita se suportar cargas acima da cabeça(5), ou o peso do corpo suspenso, e lesões na região lombar e nos joelhos (2–4,10), podendo todas estas aparecer em esportes como levantamento de pesos e ginástica. Como já foi mostrado anteriormente em nossas postagens, as atividades de levantamento de pesos, são seguras, se forem supervisionadas por treinadores qualificados (11).
Quem está mais propenso à lesões?
Iniciantes na modalidade estão mais propensos ao risco de lesão comparados a atletas mais experientes (8), pois como em qualquer outro esporte quando se tem o aumento do volume e da intensidade de treinamento dentro de um curto período de tempo, é esperado que se tenha uma maior taxa de lesão (10). Ao progresso do nível de força e habilidade, os atletas de Crossfit progridem para um nível de movimentos mais difíceis e cargas mais pesadas, isto é caracterizado por um sistema de Escalabilidade (Scaled/RX), que são as modificações dos movimentos para que se adeque aos indivíduos de diferentes níveis de condicionamento (2). Apesar disto, iniciantes ainda se encontram num maior risco de lesão (10).
De acordo com os autores (1,3,10) é sugerido que:
-Os programas de treinamento no Crossfit possuam cargas de treinamento balanceadas, ou seja, a variação entre treinos mais e menos intensos. -Se tenha uma execução adequada dos movimentos, principalmente ginásticos e de levantamento de peso. -Ocorra individualização do treinamento, cada indivíduo responde de forma diferente aos estímulos.
O aumento do envolvimento dos treinadores no processo de ensino corresponde a diminuição das taxas de lesões (3,10). Sempre necessário, portanto, a qualificação dos treinadores para que se tenha qualidade no processo de ensino dos movimentos e conhecimento científico a respeito da fisiologia, biomecânica e treinamento esportivo.
Em resumo, o Crossfit é comparado com outros regimes de exercícios de alta intensidade em termos de lesões e melhoras na saúde e condicionamento, assim como qualquer outro tipo de treinamento em alta intensidade, sendo que com treinamento apropriado, a modalidade pode ser uma efetiva forma de exercício para adultos procurando outras rotinas de treino (12), sendo também interessante para o aumento de condicionamento físico em adolescentes(13).
Considerações
O Crossfit deve ser orientado por profissionais de Educação Física qualificados e graduados. Nenhum curso de apenas dois dias é suficiente para qualificar qualquer pessoa ao ensino e programação de treinos de uma modalidade que necessita de análise minuciosa das variáveis de treinamento. A falta do conhecimento, bom senso e respeito a individualidade são agravantes para que ocorram cada vez mais lesões nos praticantes, fato que leva infelizmente a uma visão deturpada da modalidade.
*WOD’s: Workout of the Day – Treino do Dia *Rabdomiólise: caracteriza por necrose muscular, que resulta na liberação para a circulação de constituintes do músculo, entre eles a mioglobina(14).
Fontes
1. Hak PT, Hodzovic E, Hickey B. The nature and prevalence of injury during CrossFit training. J Strength Cond Res [Internet]. 2013;1. Available at:http://insights.ovid.com/crossref…
2. Montalvo AM, Shaefer H, Rodriguez B, Li T, Epnere K, Myer GD. Retrospective Injury Epidemiology and Risk Factors for Injury in CrossFit. J Sports Sci Med [Internet]. 2017;16(1):53–9. Available at:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/…/www.pubme…/articlerender.fcgi…
3. Weisenthal BM, Beck CA, Maloney MD, DeHaven KE, Giordano BD. Injury rate and patterns among crossfit athletes. Orthop J Sport Med. 2014;2(4):1–7.
4. Keogh JWL, Winwood PW. The Epidemiology of Injuries Across the Weight-Training Sports. Sport Med. 2017;47(3):479–501.
5. Summitt RJ, Cotton RA, Kays AC, Slaven EJ. Shoulder Injuries in Individuals Who Participate in CrossFit Training. Sports Health. 2016;8(6):541–6.
6. Moran S, Booker H, Staines J, Williams S. Rates and risk factors of injury in CrossFitTM: a prospective cohort study. J Sports Med Phys Fitness [Internet]. 2017;57(9):1147–53. Available at:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28085123
7. Giordano B, Weisenthal B. Prevalence and incidence rates are not the same: Response. Orthop J Sport Med. 2014;2(7):1–2.
8. Aune KT, Powers JM. Injuries in an Extreme Conditioning Program. Sports Health. 2017;9(1):52–8.
9. Parkkari J, Kannus P, Natri A, Lapinleimu I, Palvanen M, Heiskanen M, et al. Active living and injury risk. Int J Sports Med. 2004;25(3):209–16.
10. Mehrab M, de Vos RJ, Kraan GA, Mathijssen NMC. Injury Incidence and Patterns Among Dutch CrossFit Athletes. Orthop J Sport Med. 2017;5(12):1–13.
11. Hamill B. Relative Safety of Weightlifting and Weight Training. J Strength Cond Res. 1994;8(1):53–7.
12. Meyer J, Morrison J, Zuniga J. The Benefits and Risks of CrossFit: A Systematic Review. Work Heal Saf. 2017;65(12):612–8.
13. Eather N, Morgan PJ, Lubans DR. Improving health-related fitness in adolescents: the CrossFit TeensTM randomised controlled trial. J Sports Sci [Internet]. 2016;34(3):209–23. Available at:http://dx.doi.org/10.1080/02640414.2015.1045925
14. Moniz MS, Mascarenhas MI, Escobar C, Nunes P, Abadesso C, Loureiro H, et al. Rabdomiólise como manifestação de uma doença metabólica: Relato de caso. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(1):111–4.